Bueno, na Liberdade, em São Paulo, serve o chanko nabe, cozido oficial do atletas
Por Eduardo Marini, do R7O sumô é o esporte nacional do Japão. Luta milenar, ele preserva rituais da filosofia xintoísta. Começou a ser citado em livros no início do Século 8 depois de Cristo, há cerca de 1,3 mil anos.
No sumô, dois atletas lutam em um ringue circular chamado dohyô. O primeiro a tocar o chão com qualquer outra parte do corpo que não seja os pés ou a pisar fora do círculo demarcado no chão do dohyô perde o combate.
Lutas de sumô são disputadas por homens imensos, aparentemente gordos mas na verdade muito fortes. Não, raro, são “paredes” de músculos com mais de 1,90 metro e 150 quilos.
Por tudo isso, quem não conhece essa cultura pode pensar que o cozido chanko nabe, a comida oficial dos sumitori, os lutadores de sumô, é o prato mais calórico e “gordo” do planeta.
Não é bem assim. A rigor, está até bem longe disso.
E quem puder poderá comprovar isso na ponta da língua no Bueno, o único restaurante brasileiro especializado em chanko nabe, a comida oficial dos lutadores de sumô.
O Bueno fica em um pequeno espaço com porta preta sem letreiros no número 458 da Rua Galvão Bueno, na Liberdade, bairro de imigrantes orientais na região central de São Paulo (tel. 11-3203-2215).
Funciona de terça a domingo, apenas no jantar, das 18h30 às 23h. Não é caro, mas as contas só podem ser pagas com dinheiro ou cheque. Nada de cartões de débito ou crédito.
O empresário nissei (filho de japoneses nascido no Brasil) Fernando Yoshinobu Kuroda, 35 anos, dono do Bueno, dá maiores detalhes sobre o cozido ou caldeirada chanko nabe:
- Chanko significa tudo o que é relativo ao sumitori, ou seja, ao lutador de sumô. E nabe é cozido ou caldeirada em japonês. São refeições feitas com caldo e pedaços de carne de porco ou frango, verdura, tofu (queijo de soja oriental), cebola, nirá (delicada verdura japonesa), alga e cogumelos orientais como shimeji e shiitake. Alguns levam misso (pasta oriental de soja) no caldo, outros não. A rigor, são pratos até leves e pouco gordurosas.
Mas então o que faz os lutadores se transformarem naquelas muralhas?
Kuroda de novo com a palavra:
- O que faz a diferença é a quantidade de acompanhamento mandada para dentro junto com cozido. Muito arroz, ovos, outras proteínas, outros tipos de carboidratos, verduras e legumes mais rígidos.
Kuroda dá detalhes sobre a ligação do chanko nabe com a cultura sumitori:
- Nas academias de sumô do Japão, os lutadores comem todos os dias algum tipo de chanko. Também faz parte da tradição que ele aprenda a preparar o cozido enquanto evolui como sumitori. Em relação à comida, nada é ensinado. O atleta precisa prestar atenção no processo e aprender observando a ação dos veteranos. Começa manipulando os ingredientes, depois se aventura na panela e assim vai. Apesar de ser uma comida ligada à tradição sumitori, é relativamente comum encontrar no Japão restaurantes com essa caldeirada no cardápio. Não é proibido.
Kuroda fala com conhecimento de causa absoluto.
Dos 15 aos 27 anos, ele foi lutador de uma das mais importantes academias de sumô do Japão, em Tóquio. Lá, era conhecido como Waka-Azuma, algo como “o jovem que vem do Leste (a posição do Brasil no mundo para os japoneses, que estão no oeste, ou no oriente)”.
No auge da carreira, em 2001, chegou a ser sekitori, ou seja, um integrante da primeira divisão do sumô.
Da menor para a maior posição, essa elite do esporte tem as seguintes faixas: jyuryo (posição atingida por Kuroda), makuchi, komusubi, sekiwake, ozeki e yokozuma, esta última a mais alta de todas.
Para se ter uma ideia do feito de Kuroda, o Japão costuma ter apenas entre 50 e 60 sekitori espalhados por essas seis categorias de elite. Um de seus ex-alunos aqui no Brasil, levado por ele para lutar no Japão, foi ainda mais longe: atualmente, é um makuchi.
Como todos os sumitori que atingem a elite, Kuroda foi amado e idolatrado no Japão. Preservadores reconhecidos da cultura milenar daquele país, eles dão autógrafos e recebem reverências como os ídolos mundiais do futebol, do esporte olímpico, do automobilismo, das artes, da filosofia, da religião, da música e da cultura. Alguns chegam a receber US$ 100 mil mensais entre salários, patrocínios e rendas de atividades públicas.
No restaurante Bueno, na Liberdade, há seis tipos de chanko nabe. Fazem mais sucesso o de frango, mais leve, sem misso, e outro com porco, frango e kimuti (acelga apimentada criada no território das Coreias), uma homenagem à mulher de Kuroda, coreana de nascimento.
Cada porção individual do cozido (como a da foto) custa R$ 27 e serve uma pessoa com alguma folga. Se o cliente quiser (e ainda tiver espaço no estômago), pode pagar mais R$ para consumir o caldo final do chanko com uma porção de arroz japonês.
No capítulo das entradas, Kuroda oferece língua de boi grelhada (macias e suculentas; R$ 22 a pequena e R$ 24 a grande).
E também um pequeno bufê com oito curiosidades, entre elas a acelga kimuti, buta kakuni (barriga de porco cozida, bem temperada, deliciosa) e horenso, um espinafre japonês com um molho levemente ácido e adocicado.
A porção com um item deste bufê custa R$ 8. A tripla, R$ 24. Se a intenção for derrubar um chanko depois, a reportagem aconselha a entrada individual. De preferência, a barriga de porco ou o espinafre. Se o caso for a tripla, para mais de uma pessoa ou alguém realmente inspirado, a sugestão é acrescentar o horenso e o kimuti, este para os paladares mais afeitos a desafios.
Kuroda se lembra da carreira de sumitori com carinho:
- O sonho do meu avô era se mudar para o Brasil. Ele não conseguiu, mas meu pai sim. Meu pai foi, praticamente, o introdutor do sumô no Brasil. Queria lutar sumô profissionalmente mas, de estatura baixa, não conseguiu. Por ironia suprema do destino, ele conseguiu realizar o sonho do pai dele e eu, o dele.
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